Sábado, 23 de Agosto de 2008

Pablo Neruda: O teu Riso

 


O TEU RISO

Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas não

me tires o teu riso.

 

Não me tires a rosa,

a lança que desfolhas,

a água que de súbito

brota da tua alegria,

a repentina onda

de prata que em ti nasce.

 

A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados

às vezes por ver

que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso

sobe o céu a procurar-me

e abre-me todas

as portas da vida.

 

Meu amor, nos momentos

mais escuros solta

o teu riso e se de súbito

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

ri, porque o teu riso

será para as minhas mãos

como uma espada fresca.

 

À beira do mar, no outono,

teu riso deve erguer

sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero teu riso como

a flor que esperava,

a flor azul, a rosa

da minha pátria sonora.

 

Ri-te da noite,

do dia, da lua,

ri-te das ruas

tortas da ilha,

ri-te deste grosseiro

rapaz que te ama,

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando meus passos vão,

quando voltam meus passos,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.

 

Pablo Neruda


 

publicado por Odracir às 19:00
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